quarta-feira, 16 de maio de 2012

Contribuição do companheiro Olívio Dutra.




Na reunião da Coordenação do Diálogo Petista, 4 de novembro de 2011
Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas
políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico
isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez
uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou
a fundar o partido.
Um balanço do PT, como partido de esquerda,
socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta
histórica do povo brasileiro, em especial dos
trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só
de mexer mas de alterar a estrutura de poder do Estado e
sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados
no enorme poder político, econômico, cultural de uma
minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem
explorados e sem exploradores e radicalmente
democrática.
Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o
primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O
movimento operário anarquista das primeiras décadas do
século XX era avesso à ideia de um partido. O PC surge
em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme
agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto
do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um
populismo que já não controlava mais as lutas sociais.
Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira
Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio
“esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos
gaúchos- Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros – que
compartilhavam a ideia de que política não é para
qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.
O PT nasceu com a ideia de que o povo devia ser o
sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros
passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em
vários níveis, a coisa foi ficando “osca”, suas convicções
e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma
acomodação na ocupação das máquinas institucionais
(inclusive no Judiciário).
Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não
discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade
de um Estado e de uma sociedade que, para serem
democráticos, precisam ser radicalmente transformados.
Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011
temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de
mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido
estar no governo federal e em governos estaduais,
municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares
nos três níveis de representação.
E, bem mais que as ideias ou mesmo o programa, o
que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições
internas e externas. Somos todos responsáveis por isso:
a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com
negócios, esperteza,e a ideia de tirar proveito pessoal dos
cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no
partido para isso, favorecidos pelo discurso da
governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo
político.
Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios
na história de nosso país,o Estado brasileiro não foi
mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande
pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o
protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de
composição, uma direção, ainda que com limites,
transformadora da política. A política de partilhar espaços
do Estado com aliados políticos de primeira e última hora
de certa forma já vinha de experiências de governos
municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta
essência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o
protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando
miríades de cargos em todos os escalões da máquina
pública.
Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda.
Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma
decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua
fundadora.
O PDT estava no governo da Frente Popular (PT,
PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2º
turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a ex-senadora
Emília Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com
nosso governo nunca foi tranquila. Tive de contornar
demandas descabidas para criar secretarias para abrigar
pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela
anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura.
Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio,
nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do
sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a
repressão sobre nós com intervenção no sindicato e
prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja
no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve
acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar
da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A
categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse
uma declaração contra a repressão ao movimento. Não
se manifestou.
Quando do governo da Frente Popular, em
decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas àPrefeitura de POA (nosso candidato, eleito, foi o Tarso
Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez
pressão para que trocássemos os secretários pedetistas
ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro
Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o
governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos
cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre
sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma
discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram
desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão
interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao
nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a
negociação sobre os subsídios, favores tributários e
renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como
Secretária de Minas e Energia do nosso governo,
participou da construção da decisão que, séria,
responsável e republicanamente tomamos. Sua postura
determinada nessas e em outras circunstâncias têm o
nosso reconhecimento, respeito e admiração.
Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como
deveria funcionar, sob controle público, para ser justo,
desenvolvido e democrático mas, a composição do
governo é um limitador e ela não vai poder alterar as
estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa
que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às
lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer.
Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!
Então aí está o papel do partido que não pode se
acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos
em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas,
criamos mais consciência no povo para que se assuma
como sujeito e não objeto da política?
Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a
estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na
sociedade e no estado brasileiros, os impostos
regressivos para os ricos e progressivos para os pobres,
as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia
fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água,
aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel
do estado numa questão estratégica como essa.
O PT não se esgotou no seu projeto estratégico, mas
corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de
cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo
preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido
tem de desbloquear a discussão de questões estruturais
do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata
por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas
internamente, mas com o povo brasileiro.
Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o
papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com
os lutadores sociais para discutir como um o partido com
nossa origem e compromisso pode governar
transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo
político.
A lógica predominante, diante das eleições do ano que
vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade
que queremos? A imposta pela indústria automobilística,
desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e
sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço
urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço
para o automóvel particular? Onde as multinacionais se
instalam com as maiores vantagens do mundo e as
cidades viram garagens para carros, onde túneis,
viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em
menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais
aprisionam do que libertam o ser humano?
O PT deve refletir sobre suas experiências de
governar as cidades. São muitas e nenhuma definitiva. O
Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de
ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para
controle não só de receitas e despesas, verbas para
obras e serviços, no curto prazo, mas sobre a renda da
cidade, sua geração e o papel do governo na sua
emulação e correta distribuição social, cultural, espacial,
econômica e política. O Orçamento Participativo tem que
ser pensado não como uma justificativa para a
distribuição compartilhada de poucos recursos mas como
gerador de cidadania capaz de, num processo de
radicalidade democrática crescente, encontrar formas de
erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de
nossas cidades.
A crise econômica mundial está longe de ser debelada
e os países ricos têm enorme capacidade de “socializar” o
pagamento dela com os países pobres. No chamado
Estado de Direito Democrático o ato de governar é
resultado de uma ação articulada e interdependente entre
os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que
na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não
está definido na Constituição, é tão poderoso e influente
quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre
governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é
caldo de cultura para a corrupção.
Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido
agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades,
participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças
de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado
positivamente com esta tarefa.
Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez
mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos
executivos e mandatos legislativos que vem
conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja
pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes,
cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer
“inchando”, acomodando interesses. A inquietação na
base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora
de que a luta para que o PT seja um partido da
transformação e não da acomodação vale a pena.

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