domingo, 22 de janeiro de 2012

Irmandade Muçulmana ocupa o centro da cena egípcia / wwwbrasildefato.com.br


Nos dias seguintes à saída de Mubarak, a organização anunciou sua decisão de se converter em um partido político

22/03/2011

Adam Morrow e Khaled Moussa al-Omrani



Enquanto as urnas mostraram um respaldo esmagador à reforma das regras eleitorais no Egito, a Irmandade Muçulmana, banida durante 30 anos, se ergue como uma força política central depois do fim do regime de Hosni Mubarak (1981-2011).
Pouco mais de 77% dos votantes apoiaram as reformas em vários artigos constitucionais, sustentou o comité eleitoral na noite de domingo (20).
"Depois de três décadas de repressão do regime de Mubarak, a Irmandade Muçulmana é um jogador primordial na arena pós-revolucionária", disse à IPS o professor de ciência política Tarek Fahni. E "pela primeira vez desde a sua fundação, tem a oportunidade de alcançar o poder em eleições livres e justas".
Em 11 de fevereiro, Mubarak entregou seu cargo às Forças Armadas. Em pouco mais de um período de cinco semanas, os militares, que prometeram conduzir o país até que se realizem eleições presidenciais e parlamentares, têm cumprido várias das reivindicações populares, incluindo a substituição da maioria dos ministros que haviam sido nomeados pelo ditador.
Nos dias seguintes à saída de Mubarak, a Irmandade Muçulmana anunciou sua decisão de se converter em um partido político. Apesar do importante apoio popular que sempre teve no país, a organização, criada em 1928 e ilegalizada pelo estado em 1954, nunca existiu oficialmente como força política.
"Assim que a lei dos partidos políticos for reformada, queremos nos inscrever como tal", disse em 18 de fevereiro Mohammad Saadal-Kitani, que encabeçou o bloco legislativo da Irmandade entre 2005 e 2010.
Nessas declarações, que se constituiram na primeira aparição de um dirigente da Irmandade na televisão estatal, al-Kitani destacou que a organização apoia um sistema de governo civil, e não uma teocracia.
"Queremos um Estado civil, baseado na lei islâmica e em princípios como a liberdade de pensamento, a justiça para todos e a igualdade diante da lei, sem distinções de raça, gênero ou religião", afirmou.
Al-Kitani afirmou, ainda, que o grupo não apresentará candidato nas próximas eleições presidenciais, nem buscará manter maioria no parlamento.
"Não queremos dar a nossos rivais domésticos nem a nossos críticos internacionais motivo algum de temor", indicou. "Queremos competir de maneira justa com outros movimentos políticos que, sabemos, também foram oprimidos pelo regime de Mubarak".
Três dias antes desses comentários transmitidos ao vivo, o líder do grupo, Mohammad Badie, anunciou de maneira formal o desejo de fundar uma organização que se chamaria Partido da Justiça e Liberdade e que, apesar de compartilhar os mesmos membros e objetivos políticos da Irmandade, constituiria uma entidade separada.
Badie incumbiu o dirigente Khairet al-Shatter de determinar os mecanismos para a coordenação entre a Irmandade e o novo partido. Al-Shatter foi nomeado, há pouco tempo, o número dois da organização, após cumprir quatro anos de prisão ordenada pelo regime de Mubarak.
No entanto, muitos críticos da Irmandade Muçulmana assinalam que esta ainda não articulou sua posição a respeito de um conjunto de assuntos cruciais. No início de 2008, a organização publicou um programa político preliminar, mas logo recuou diante da polêmica levantada sobre sua postura acerca da nomeação de candidaturas presidenciais, de mulheres ou de não muçulmanos.
"Algiuns setores da opinião pública seguem suspeitando da Irmandade devido à sua postura ambígua sobre o papel dos cristão e das mulheres na política", disse Fahmi.
"Por que se leva tanto tempo para delinear uma plataforma política oficial? A Irmandade deve explicar claramente seus pontos de vista em grandes questões e abrir o diálogo com outras figuras opositoras e líderes religiosos", opinou.
No mês passado, a Irmandade instalou um comitê encarregado de formular o programa político do Partido da Justiça e Liberdade.
Em 16 de março, o diário independente al-Shorouk publicou declarações de um membro do comitê de que o programa "seria publicado assim que fosse redigido".
A mesma fonte afirmava que "concordou-se em eliminar uma quantidade de artigos polêmicos que haviam sido incluídos na plataforma política prévia, especialmente esses que estipulavam que todo candidato presidencial do partido deveria ser um homem muçulmano".
Alguns críticos ocidentais têm ressaltado que, se a Irmandade Muçulmana assumisse o poder, poderia ser tentada a denunciar o Acordo de Paz de Camp David, firmado entre o Egito e Israel em 1979.
O porta-voz da Irmandade, Essam al-Arian, insiste que qualquer mudança na política exterior do país deve refletir a vontade do povo egípcio. "O futuro parlamento, que será eleito pelo povo, decidirá a postura do Egito a respeito de todos os acordos e tratados internacionais", disse al-Arian à IPS.
Para Fahmi, a recém nascida legitimidade política da Irmandade vai levar a "formular uma nova política externa que, pode-se esperar, reforçará o papel histórico desse país como líder regional, um papel em grande medida destruído pela estreita relação de Mubarak com os Estados Unidos e Israel".
"Para citar só um exemplo, a [palestina] faixa de Gaza governada pelo Hamas [Movimento de Resistência Islâmica] era considerada por Mubarak como uma ameaça estratégica", acrescentou.
"Mas se a Irmandade obtiver legitimidade política, Gaza será vista como a primeira linha de defesa do Egito em uma confrontação com Israel", concluiu Fahmi.


Tradução: Patrícia Benvenuti

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