quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Por uma reforma na grilagem intelectual

Por uma reforma na grilagem intelectual
* Fouad Abbas
Uma casa vem sendo construída com o esforço de toda a comunidade por muito tempo. Quando a casa está quase pronta, chega uma pessoa como quem não quer nada e assenta um último tijolo na construção e, surpresa! Graças a esse tijolo, ela se torna dona da casa e passa a cobrar aluguel de todos os que ajudaram a construir a casa antes dela.
Absurdo, loucura, um roubo descarado, impossível de acontecer?
Não, isso acontece diariamente bem debaixo dos nossos narizes e atende pelo austero nome de “Propriedade Intelectual”.
Vendida ardilosamente como o direito do autor sobre a exploração comercial de sua obra afim de se manter economicamente, na prática, funciona como um mecanismo de monopolização do conhecimento, segregação econômica (vez que para ter acesso ao conteúdo é preciso ter dinheiro para pagar) e apropriação indébita do trabalho e esforço alheio, assim como dos meios culturais universais que proporcionaram a elaboração da obra, aqui transformada em produto e principalmente em marca.
Exemplos disso não faltam, como a Cargil e a Monsanto que, se apropriando de bens universais como a semente do milho ou da soja, fruto da evolução natural pelos tempos, produz artificialmente em laboratórios versões geneticamente modificadas (transgênicos) (qualquer semelhança com o tijolo da casa não é mera coincidência) as quais cobram caro por serem as “inventoras”, donas do milho e da soja, ou a Disney que, se apropriando de histórias universais e de domínio público como a Branca de Neve e Aladin, cria suas “versões” da história totalmente patenteadas, obrigando qualquer um que queira fazer usa de uma cena ou da mera reprodução da imagem de um dos personagens que são de domínio público, a pagar direitos autorais para utilização (mais um tijolinho na casa).
Entretanto, mesmo as obras e produtos menos evidentes que os exemplos acima, também não podem se dar ao luxo de dizerem-se criação e propriedade exclusiva de seus autores ou produtores (aqueles que nunca criaram nada, mas exploram comercialmente a invenção dos outros, também conhecidos como os que ficam de fato com a grana), mesmo esse artigo que redijo, não é fruto exclusivo da minha “divina” inspiração, mas uma reflexão a partir de todo um universo cultural absorvido ao longo dos anos que me levaram tanto à forma do texto quanto às suas conclusões e desenvolvimentos, em suma, ninguém é uma ilha e toda criação, de uma forma ou de outra é colaborativa, portanto, à exceção do trabalho e recursos investidos para a elaboração de uma obra merecerem uma justa remuneração, a reprodução vegetativa da mesma (quando esta já se pagou, como já ter sido publicada ou já estar fora de cartaz há tempos) deixa de cumprir sua função social e passa a ser abuso de direito e cobrança injusta.
Na radicalização desses abusos custeados pela defesa unilateral de propriedade intelectual, estamos vivendo o apodrecimento das economias mundiais, das relações de trabalho e principalmente, das garantias sociais conquistadas pelos povos.
Em busca de maiores lucros e regras fiscais menos rígidas e legislações trabalhistas francamente desfavoráveis aos trabalhadores, o capital internacional e suas grandes corporações, criaram o termo Globalização que vende a ideia de um mundo sem fronteiras, ao alcance de todos em apenas um clique, mas a realidade é bem diferente: Enquanto as regras de migração dos povos enrijeceram ainda mais(as fronteiras para as pessoas nunca foram tão intransponíveis), aliadas à sentimentos draconianos como xenofobia, o capital e suas marcas, circulam livres, leves e soltos em busca de lucro fácil e exploração de recursos naturais e mão-de-obra.
Desta forma, as corporações passaram não mais a produzir os produtos desenvolvidos por suas marcas e patentes, mas a apenas desenvolver protótipos e a manutenção de sua marca em evidência nos mercados e mídias globais, enquanto terceirizaram toda a sua produção para países periféricos famintos, que reproduzem de fato seus produtos, mas que ficam com uma porcentagem mínima dos lucros obtidos com seu trabalho, que são transferidos para a matriz dona da marca, ou melhor seria do tijolo, ou seja, enquanto uma criança indonésia costura um tênis (ou seja, constrói a casa) da Nike em troca de comida, a Nike apenas coloca a sua etiqueta e se apropria de todo o lucro gerado pelo trabalho (mais uma coloca um tijolo e leva a casa).
Com essa transferência da produção para os países periféricos, logicamente começou a sobrar mão-de-obra ociosa nos países centrais, como EUA e os países europeus, vez que a mera administração burocrática das marcas e a vocação belicista de seus governos não são capazes de absorver grandes contingentes de mão-de-obra, que se viram destituídos de seus postos de trabalho por esse ardiloso artífice do controle sobre a produção mundial por meio dos direitos intelectuais.
Entretanto, mesmo diante dos acordos neocoloniais entre as corporações e os países periféricos para onde foram exportadas a produção, algumas coisas saíram do controle pois, vez que a tecnologia de produção também precisou ser transferida aos países periféricos afim de que potencializassem suas produções,de posse e domínio dessas tecnologias, esses países, dos quais destacam-se China e Índia, resolveram se apropriar desse domínio tecnológico, afim de garantir o seu próprio crescimento, restando às corporações, pressionar seus governos à exigir o cumprindo dos acordos de exploração baseados na tutela das propriedades intelectuais.
Paralelamente, afim de forçar uma reação mais ativa dos governos na questão da defesa dos direitos proprietários entre nações, as corporações usaram e usam a mídia de massa para sensibilizar o cidadão comum, maior prejudicado com as legislações autorais (pois é quem paga a conta final, o pedágio autoral) à se solidarizarem com a causa, desde o apelo ao patriotismo (estão roubando nosso país e não deixando de pagar aluguel das marcas às corporações sediadas em nosso território) até a tentativa biltre de vincular o desemprego no país à pirataria e afins.
No caso da pirataria, além da ideia mentirosa de que as indústrias do cinema e da música estariam em crise (os filmes e shows nunca foram tão rentáveis) vez que a pirataria cria meios das pessoas terem acesso às obras sem pagar quantias absurdas por elas ( um DVD pirata custa em média R$3, o original em lançamento não sai por menos de R$49,!) o que inviabiliza as milionárias produções que seriam obrigadas à demitir milhares de técnicos e funcionários (o que é uma mentira deslavada pois, em geral, menos de 20% dos custos de produção são para pagar técnicos e funcionários, os grande montante, 80% ou mais é para pagar cachês astronômicos às celebridades e lucros aos produtores e acionistas) assim, para manter os empregos, basta pagarem menos à meia dúzia de atores medíocres e aceitarem diminuir sua margem de lucro estratosférica.
Mas o principal propulsor da questão da pirataria e que vem disfarçado nessa defesa do emprego e da propriedade vai mais além e é a tentativa descarada de criminalizar a liberdade de comunicação na internet que, mesmo com toda a dificuldade e trabalho de formiguinha de milhares de internautas militantes, tem conseguido romper as barreiras da informação e revelar outros pontos de vista contrários aos interesses sistêmicos que tem mantido governos e corporações corruptas no poder ao custo do sacrifício da grande maioria da população. Em suma, está cada vez mais difícil enganar as pessoas com promessas e mentiras.
Mas e os artistas, como ficam se não receberem direitos autorais por suas obras?
A grande verdade é que, salvo um pequeno e seleto grupo de artistas pinçados pela mídia e pelo sistema para servirem de formadores de opinião na consolidação de suas ideias conformistas de sociedade, a grande maioria dos artistas numa viu nem verá um só centavo desses direitos autorais. E mesmo estes (os queridinhos da mídia), recebem uma porcentagem muito inferior ao que fica com editores, produtores, instituições de direitos como Ecad e afins, que nunca criaram nada, mas abocanham quase tudo para si.
O fato é que as vendas de um disco, de um DVD, de um livro nada mais são que um chamariz, uma oportunidade para que esses artistas chamem a atenção do público que lotará seus shows, apresentações, palestras, em suma, garantirão uma vida digna e trabalho justo à estes artistas.
Deste modo, ao optar por construírem suas carreiras e vidas, tijolo à tijolo, em vez do delírio de pertencer à uma elite predadora, formada por pseudo-gênios como Bill Gates, Steve Jobs e Daniel Dantas, cuja “genialidade” foi a de se apropriar do talento e recursos dos outros, embalar e vender como se fossem seus, na velha e promíscua tática de colocar um tijolo e se apropriar da casa toda, construiremos as bases e janelas para uma sociedade mais justa, com oportunidades e acessos aos bens comuns, materiais e imateriais a todos, numa comunidade que privilegie o ser humano e não a propriedade. Nascemos sem nada e morreremos sem levar nada, nossa única herança deve ser um legado de amor e não propriedades para os herdeiros morrerem brigando entre si.
Fouad Abbas

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