terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O RUGBY PROFISSIONAL PELO MUNDO ! BLOG DO RUGBY

Com o crescimento do rugby no Brasil, e com a exposição que o rugby internacional, vem tendo na TV por assinatura, sobretudo os jogos entre seleções, um público cada vez maior de pessoas está sendo introduzida no mundo do rugby. Como sempre ocorre quando um contingente novo de pessoas é apresentado a um mundo de tradições seculares e intrincadas, vasto e complexo, como é o caso do rugby, muitas dúvidas que a princípio parecem simples aparecem, e devem ser esclarecidas o quanto antes.
O rugby internacional exibido na televisão é o do mais alto escalão do rugby mundial, e o público que tem contato com ele instantaneamente deduz que ele seja profissional. Parece o óbvio à maioria dos esportistas. Porém, o rugby não é nada óbvio. Vamos a alguns questionamentos sobre o rugby de elite que podem surgir:
- Por que a Copa do Mundo começou somente em 1987, enquanto a Copa do Mundo de Futebol começou em 1930? Ainda mais com o Seis Nações (Six Nations) tendo surgido em 1883.
- Por que a Copa Europeia de Rugby (Heineken Cup) surgiu somente em 1995-96, sendo que a Liga dos Campeões da UEFA nasceu em 1955-56 (com o nome de Copa Europeia de Clubes Campeões)?
- Por que o Três Nações (Tri Nations) e o Super Rugby também só começaram em 1996?
- A Argentina é obviamente profissional, não?

Rugby Union, competições e o profissionalismo
Ao longo de mais de um século de existência, o rugby union teve como identidade a ideologia do amadorismo. Nascidos dentro uma uma mesma conjuntura histórica, Futebol (Football Association) e Rugby construiram suas organizações por caminhos distintos. Apesar de terem nascido dentro da cultura esportiva da elite britânica, a forma com que o futebol e o rugby se relacionaram com o fenômeno da popularização foram bem distintos. De um lado, o futebol permitiu desde muito cedo - 1871 - a constituição de uma copa nacional, a FA Cup, que, apesar de ser dominada pelos times de elite nos seus primeiros anos, foi paulatinamente se tornando democrática, permitindo que clubes populares triunfassem em âmbito nacional. Não sem muito atrito entre a elite dirigente e os clubes da classe operária, que cada vez mais praticava o futebol. Mas, a FA Cup cresceu, e o profissionalismo veio, contrariando muitos dos clubes de elite, que chegaram a se retirar das competições e a fundar uma associação a parte, mas sem jamais romper com a Football Association (o órgão máximo do esporte), nem com suas regras.
O rugby, por outro lado, teve um percurso muito mais conturbado. A fundação da FA Cup levou o rugby a se organizar: em 1871, nasceu a Rugby Football Union, o primeiro órgão diretivo do rugby em âmbito nacional. Os clubes praticantes do rugby football não compactuaram com as regras unificadas estabelecidas em 1863, que deram origem à Football Association, isto é, ao futebol, porém não estabeleceram um órgão diretor. Foi somente a ameaça da FA Cup, cujo potencial de crescimento poderia levar muitos clubes a mudar do rugby para o futebol, fez com que o rugby se organizasse. No entanto, ao contrário do futebol, o rugby não fundou uma competição nacional. O motivo oficial foi o receio de que uma competição de grande porte deturpasse os ideias do esporte, fazendo com que os atletas deixassem de praticar por prazer e com lealdade, passando a jogar pensando exclusivamente na vitória. Por trás da explicação oficial, estava o receio dos clubes de elite perderem o controle do jogo, como analisa o sociólgo Eric Dunning (Barbarians, Gentlemen and Players, 1979).
Dessa forma, nenhuma das chamadas Home Nations (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda) constituiu uma competição nacional, mantendo a prática dos amistosos. Resumindo, no rugby, os clubes britânicos não jogavam campeonatos, mas formavam seus calendários anuais com muitos amistosos (duelos contra rivais locais e giras nacionais e internacionais). As regiões onde o rugby era praticado sobretudo pelos trabalhadores (isto é, onde o rugby era um esporte popular, e não elitizado), competições regionais foram permitidas. Assim, no Sul do País de Gales, coração do rugby galês, repleto de clubes de operários e mineiros, nasceu a South Wales Cup (Copa do Sul do País de Gales). Na Inglaterra, em Lancashire e Yorkshire - no Norte do país - nasceram copas locais que rapidamente se tornaram muito populares, com os clubes de rugby rivalizando em popularidade com os clubes de futebol. Foram os clubes populares dessas duas regiões que passaram a pressionar a RFU pela liberação de uma competição nacional, assim como pela permissão de que os jogadores pudessem ser remunerados pelas horas perdidas no trabalho (o que, hoje, não seria tido de forma alguma como profissionalismo, mas, na época, o discurso contrário vindo da RFU colova essa prática como profissionalismo e, portanto, ilegal). a irredutibilidade da RFU nesse assunto levou a uma grande impasse, cujo desfecho foi o cisma de 1895, no qual esse grupo de clubes do Norte da Inglaterra se desligou da RFU, criando a Northern Rugby Union, renomeada posteriormente como Rugby League. A NRU criou uma copa e uma liga nacionais, e mudou as regras de seu rugby, criando um novo esporte.
A partir de então, o rugby nas Ilhas Britânicas manteve uma estrutura que para qualquer outra esportista é muito estranha: sem competições nacionais, com o calendário dos clubes baseado em amistosos e alguns troféus locais. A grande exceção era a contraditória permissão a uma competição: o Championship, ou Home Nations, disputado pelas seleções de Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda, que se tornou Five Nations (Cinco Nações), em 1910, com a entrada da França (a expansão para Seis Nações ocorreu apenas em 2000, já na era profissional, com a inclusão da Itália).
Seguindo a tendência das uniões britânicas, o IRB (que era composto justamente por essas uniões), barrou ao longo de décadas a criação de uma Copa do Mundo. O motivo era o risco de uma competição de dimensões globais desencadear um processo de popularização rápido que levasse ao profissionalismo. Os confrontos entre seleções de continentes diferentes se dava apenas com amistosos.
Fora das Ilhas Britânicas, no entanto, a situação era bem diferente. Na França, a ideia de que um campeonato nacional fosse ruim para o esporte não existiu. O Campeonato Francês surgiu em 1892, e só foi interrompido durantes as duas Grandes Guerras, chegando aos dias de hoje no formato do Top 14. Os franceses levaram seu modelo para a Europa continental, onde ligas nacionais foram sendo criadas. Na Romênia, por exemplo, o campeonato nacional nasceu em 1914 e, na Itália, em 1929.
Na África do Sul, a Currie Cup, isto é, o Campeonato Sul-Africano, nasceu em 1889, e é disputada até hoje com esse mesmo nome. Na Nova Zelândia, a influência britânica foi maior, e não foi criada uma copa ou uma liga nacional. Mas, uma disputa genérica: o Ranfurly Shield, disputado no sistema de desafio: o time detentor do título pode ser desafiado por qualquer equipe, que joga pela posse do escudo. Na prática, criou-se um calendário nacional com partidas que eram muito mais do que amistosas. Apenas na Austrália, onde o rugby league superou o rugby union, e na Argentina não houve o desenvolvimento de uma competição nacional entre o fim do século XIX e o início do XX.
Entretanto, o modelo de amistosos tinha seus dias contatos nas Ilhas Britânicas. O cresimento do rugby fora do círculo da elite e a pressão dos tradicionais clubes populares levou a mudanças nos anos 70. Em 1971 foi, enfim, criada a Copa da Inglaterra (RFU Club Competition), e, em 1972, foi criada a Copa do País de Gales (WRU Challenge Cup). No entanto, nenhum dos dois foi capaz de lançar uma liga nacional. Foi a Escócia que lançou a primeira liga, em 1973. Foi somente com a criação da Copa do Mundo que a pressão por ligas nacionais venceu, com a Inglaterra criando seu campeonato em 1987, Gales em 1990 e a Irlanda em 1991. A lentidão na aceitação de grandes competições de clubes impediu a formação de uma copa europeia. Assim, a Copa Europeia de Rugby, mais conhecida pelo nome comercial de Heineken Cup, só surgiu em 1995, após a liberação do profissionalismo.
Na Nova Zelãndia, o campeonato nacional já havia sido criado em 1976 - o National Provincial Championship, que se somou ao Ranfurly Shield. Em 1986, com o anúncio do primeiro Mundial, Nova Zelândia e Austrália deram um outro passo: criaram o South Pacific Championship, competição entre seleções regionais dos dois países, que também incluía a seleção campeã dos duelos entre Fiji, Samoa e Tonga. O campeonato se transformou em Super 10, em 1993, com a entrada de equipes da África do Sul, por conta do processo de abertura política que levou ao fim o regime doapartheid (o regime político de segregação racial que vigorou na África do Sul oficialmente até 1994). O Super 10 virou Super 12, em 1996, dando início a uma nova era no rugby do Hemisfério Sul. A reincorporação da África do Sul ao cenário internacional - por conta do fim do boicote ao apartheid - possibilitou também a criação do Tri Nations (Três Nações), competição entre as seleções da África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, seguindo os passos do centenário Cinco Nações europeu.

Rugby Union, an Open Game
Em agosto de 1995, com o sucesso da Copa do Mundo, a criação do Tri Nations e a transformação do Super 10 em Super 12, seguidos da comercialização desses dois últimos eventos por valores milionários com a News Corporation, de Rupert Murdoch, as autoridades do IRB não tiveram outra saída a não ser liberar o profissionalismo, antes que o rugby union passesse por um novo cisma (como o ocorrido em 1895, curiosamente 100 anos antes) e o IRB perdesse totalmente o controle do esporte. África do Sul, Austrália e Nova Zelândia foram os principais atores das negociações, motivados pelo risco de perderem seus atletas para o rugby league que ganhara fôlego novo por conta dos novos contrados feitos com a News Corporation, tanto na Inglaterra como na Austrália e Nova Zelândia.
Até 1996, todas as grandes nações do rugby já tinham acatado à liberação do profissionalismo: mais facilmente, no caso de França, País de Gales, Irlanda, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, ou mais conflituosamente, no caso de Inglaterra e Escócia. A Itália se juntou ao grupo dos grandes, seguindo a tendência de seu rugby, que já vinha sendo acusado de práticas profissionais ilegais antes mesmo de 1995. No entanto, houve uma grande exceção, que permanesse irredutível: a Argentina. A maioria dos clubes argentinos, liderados por Buenos Aires, votaram contra a liberação do profissionalismo, mantendo-se até hoje na condição compulsória de amadores. Hoje, a discussão está cada vez mais intensa na Argentina com relação a essa questão, já havendo um forte movimento a favor do profissionalismo.

Hoje, quais ligas são profissionais? Primeiramente, vale pontuar o que faz de uma liga profissional. Basicamente, todos os atletas envolvidos viverem da atividade de jogadores de rugby. Existem, no entanto, muitas possibilidades intermediárias. Há altetas profissionais em ligas não-profissionais, que poderiam ser chamadas de semi-profissionais ou redutivamente de amadoras. Muitos clubes pelo mundo têm capacidade de remunerar alguns atletas, mas não todos, com remunerações que podem variar muito, podendo ser suficientes ou insuficientes para que o atleta viva exclusivamente como jogador de rugby. Foi o caso da experiência de Fernando Portugal e Putim no Segni, da segunda divisão da Itália. Muitos atletas acabam desenvolvendo atividades remuneradas complementares ligadas ao rugby (realidade frequente no Brasil). Há também as remunerações provenientes dos governos e uniões de rugby nacionais, como o Bolsa-Atleta, no Brasil, ou o PlAR, na Argentina, cujos valores também podem variar muito.
Tendo isso em mente, vamos elencar apenas os campeonatos inequivocamente profissionais, isto é, nos quais todos os atletas têm contratos e vivem do rugby. Entretanto, é importante frisar um outro ponto: o caráter das equipes profissionais de rugby varia muito. Há campeonatos formados por clubes (de departamentos profissionais de clubes sociais a clubes-empresa), e outros por representações regionais (que representam regiões, isto é, conjuntos de clubes, apesar de operarem em moldes semelhantes aos dos clubes). Essa informação também será explicitada abaixo.
Obs: Entre parênteses está o nome oficial com o parceiro comercial detentor dos direitos sobre o nome do torneio.

Europa
França
1ª Divisão do Campeonato Francês - Top 14 (Top 14 Orange) - 14 clubes
2ª Divisão do Campeonato Francês - Pro D2 - 16 clubes

Inglaterra
1ª Divisão do Campeonato Inglês - English Premiership (Aviva Premiership) - 12 clubes
2ª Divisão do Campeonato Inglês - RFU Championship - 12 clubes

Irlanda
Pro12* (RaboDirect Pro12) - 12 times, sendo 4 uniões provinciais da Irlanda
*ex-Liga Celta

País de Gales
Pro12* (RaboDirect Pro12) - 12 times, sendo 4 franquias regionais do País de Gales
*ex-Liga Celta

Escócia
Pro12* (RaboDirect Pro12) - 12 times, sendo 2 franquias regionais (times super-distritais, ou super-clubes) da Escócia
*ex-Liga Celta

Itália
Pro12* (RaboDirect Pro12) - 12 times, sendo 2 times da Itália: 1 franquia regional e 1 clube
*ex-Liga Celta
1ª Divisão do Campeonato Italiano - Campionato di Eccellenza - 10 clubes

Rússia
Campeonato Russo - Super Liga Russa - 8 clubes (possivelmente 10 a partir de 2012)

África
África do Sul
1º semestre
Super Rugby (Vodacom Super Rugby) - 15 franquias regionais, sendo 5 da África do Sul
Vodacom Cup - 16 times, sendo 4 uniões provinciais da África do Sul, 1 selecionado da Namíbia (semi-profissional) e 1 selecionado da Argentina (Pampas XV - seleção PladAR)
2º semestre
1ª Divisão do Campeonato Sul-Africano - Currie Cup Premier Division (ABSA Currie Cup) - 6 uniões provinciais (8 até 2011)
2ª Divisão do Campeonato Sul-Africano - Currie Cup First Division (ABSA Currie Cup First Division) - 8 uniões provinciais (6 até 2011)

Oceania
Austrália
Super Rugby (Vodacom Super Rugby) - 15 franquias regionais, sendo 5 da Austrália

Nova Zelândia
1º semestre
Super Rugby (Vodacom Super Rugby) - 15 franquias regionais, sendo 5 da Nova Zelândia
2º semestre
Campeonato Neozelandês - National Provincial Championship (ITM Cup) - 14 uniões provinciais, divididas em 2 divisões com 7 times cada (Premiership Division e Championship Division)

Ásia
1ª Divisão do Campeonato Japonês - Top League - 14 clubes de companhias

E a Argentina?
De todas as grandes potências do rugby mundial, a Argentina é a única que não legalizou o profissionalismo, mantendo-se ideologicamente atada ao amadorismo. Em 2009, foi criado o Plano de Alto Rendimento da União Argentina de Rugby, um bolsa-atleta (de 2,500 pesos argentinos, mais benefícios) que remunera um seleto grupo de jogadores que atuam no rugby de clubes da Argentina. Esses jogadores formam o Pampas XV, que disputa a Vodacom Cup sul-africana.

Outros países
Muitos outros países possuem atletas remunerados, sejam jogadores nacionais ou internacionais. O caso mais notório é o da Espanha, cuja liga nacional (División de Honor) garante a seu campeão uma vaga na Amlin Challenge Cup, a segunda copa europeia profissional de clubes. A Super Liga da Romênia também é representada na Amlin Challenge Cup com uma seleção do campeonato, o Bucaresti Lupii, contando com atletas remunerados, inclusive estrangeiros. Em outros países europeus, como Portugal, Géorgia, Ucrânia, Alemanha e República Tcheca também já existem os benefícios no alto-rendimento. Liga inferiores na Inglaterra (como a National Division 1, a 3ª Divisão), França (como a Fédérale 1, a 3ª Divisão), Itália (a Serie A, abaixo do Eccellenza), País de Gales (o Campeonato Galês - Welsh Premier Division) e Escócia (Campeonato Escocês - Scottish Premiership) apresentam igualmente atletas remunerados.
No Canadá, existe uma bolsa-atleta, e nos Estados Unidos, os atletas da seleção passarão também a receber, ainda que alguns já tenham benefícios em seus clubes da Super League.
No Quênia, as franquias da Bamburi Super Series remuneram seus atletas, assim como algumas equipes do prestigioso circuito nacional de sevens. Em Fiji, a extinta Colonial Cup remunerava seus jogadores.
E é bom ressaltar que nem Chile nem Uruguai estão a frente do Brasil nesse quesito. São igualmente amadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário