quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Camões e Cervantes, pra quê?


Marcos Bagno
Caros Amigos, janeiro de 2011
Portugal tem um território pequeno (menor do que Santa Catarina, que é um dos menores estados brasileiros) e uma população de pouco mais de 10 milhões (metade do número de habitantes da região metropolitana de São Paulo). Não tem nenhuma importância estratégica na geopolítica ou na economia mundiais. Pelo contrário, encabeça a triste sigla dos PIIGS, países que se encontram numa profunda crise econômica, financeira e, por conseguinte, social.
A Espanha tem uma área menor que a da Bahia ou a de Minas Gerais e uma população de 46 milhões de habitantes (os falantes de espanhol nos E.U.A. somam mais de 55 milhões). Já esteve no topo das maiores economias europeias, mas atualmente é o S da mesma sigla PIIGS.
Mais de 90% dos falantes de português vivem no Brasil. Dos 440 milhões de falantes do espanhol, mais de 400 vivem na América Latina, sendo que os mexicanos correspondem sozinhos a um quarto de todos os hispanófonos do mundo.
No entanto, Portugal e Espanha, tão minoritários no uso das línguas que trazem seus nomes, dispõem de uma política linguística muito mais bem planejada e agressiva do que os demais países onde as línguas são faladas por muitíssimo mais gente. Portugal tem o Instituto Camões e a Espanha, o Instituto Cervantes. Na Universidade Autônoma Nacional do México (UNAM) está o maior número de aprendizes de português como língua estrangeira no mundo. Seria óbvio imaginar que esses mexicanos têm muito mais interesse no Brasil, em sua cultura e em sua economia do que em Portugal. Contudo, o Instituto Camões ocupa todo um andar da UNAM e oferece material didático, formação de professores e bolsas de estudos para quem quiser ir a Portugal se aperfeiçoar.
No Brasil, rodeado de países onde o espanhol é língua majoritária, o Instituto Cervantes também tem muitas sedes e atua com intensidade na promoção do espanhol falado em Castela, minoritário mesmo em terras de Espanha, onde outras línguas são faladas (galego, basco, catalão, leonês, aragonês) e onde outras variedades do espanhol são amplamente majoritárias (como na Andaluzia e na Extremadura).
O problema não é de Portugal nem da Espanha, evidentemente, que estão certíssimos em difundir sua língua e sua cultura. O problema é não existir, da parte brasileira, nenhum organismo oficial que faça a mesma coisa com a mesma força e com os mesmos resultados. O Instituto Machado de Assis, planejado para esse fim, até agora não saiu do papel por causa das disputas entre o Ministério da Educação e o Itamaraty para saber quem vai mandar nele. Os grandes países latino-americanos como México e Argentina, mas também Venezuela, Peru e Colômbia, poderiam muito bem criar um organismo para a difusão do espanhol latino-americano, mas como esperar isso de Estados que vivem em disputa permanente por razões ideológicas, muitas delas manipuladas pelos Estados Unidos para incentivar a desunião dos nossos países?
Enquanto ninguém faz nada, as línguas de Camões e Cervantes continuam dando as cartas no jogo dos mercados linguísticos, enquanto os idiomas de Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Luis Borges, Octavio Paz, García Márquez, Vargas Llosa, Rubén Darío e tantos outros deixam de ocupar oficialmente o espaço econômico, político e cultural que de fato já lhes pertence.

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